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segunda-feira, 4 de junho de 2018

Trocando em miúdos: como é fixado o preço da gasolina no Brasil?

Por Emerson Muziol Morosko - Petroleiro e Mestre em Ciências Biológicas

Quando se fala em livre mercado sim, o que vale é a lei da oferta e procura. Isso pode valer para um produto interno, por exemplo, leite. Está sobrando leite no mercado. É um produto que qualquer um pode produzir (guardadas as proporções e respeitando os profissionais da área). Então, se sobra leite no mercado, a tendência é o preço descer. Isso considerando apenas estas variáveis, de uma maneira muito simplista.
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Aí, quando o produto possui interesse internacional, os governos podem entrar para tentar regular o preço: subsidiando o produto interno e/ou mexendo nas tarifas de importação e exportação (soja, por exemplo). Isso serve para tentar controlar inflação ou recessão. Isso todo país faz.

Agora vamos para o petróleo.

O petróleo é uma commodity, ou seja, existe um preço mundial de referência do brent (uma mistura com características de referência). Então, quem está no mercado internacional deve, a princípio, negociar baseado neste preço. Mas quem controla este preço? A OPEP. E sim, ela consegue controlar com o aumento ou a redução na oferta.

Mas para isso, também é preciso entender um pouco da geopolítica do petróleo.

Lembrando de um episódio recente: em 2013 e 2014, o barril de petróleo flutuava entorno de U$ 100,00. Os EUA estavam perdendo dinheiro, pois consomem bastante petróleo. Então investiram muito no fracking (fraturamento hidráulico), para obter gás de xisto (que lá é diferente do xisto brasileiro). A OPEP acordou e começou a botar petróleo no mercado. O preço despencou para perto dos U$ 30,00 (final de 2015 e início de 2016). Este preço quebra qualquer um que não tenha petróleo brotando da terra como Arábia Saudita, Kweit, Irã, Iraque...

Bem, acontece que nem o Oriente Médio também conseguiu segurar o preço e começaram a produzir menos a partir de Outubro/16. Entenderam que eles também sofreriam com o preço baixo por tanto tempo.

Então o preço do petróleo não obedece a mesma regra básica de mercado que o maracujá de Araquari ou o pinhão de Campo Alegre.

Posto isto, vamos olhar para o Brasil.

A Petrobras é a maior empresa brasileira. E era apenas estatal. Mas por diversos motivos abriu seu capital e hoje obedece a legislação das empresas de economia mista. Seus funcionários são concursados, mas são contratados sob a CLT. Ou seja, não são funcionários públicos, como muitos pensam. São funcionários da Petrobrás, portanto, seus salários são pagos do caixa da empresa e não com dinheiro do governo.

Bem, e qual a relação da Petrobrás com o governo brasileiro? O Governo Brasileiro é o principal acionista da empresa: possui mais de 50% das suas ações.

Por isto o governo exerce grande influência na Petrobrás, como qualquer acionista majoritário em qualquer empresa.

Aliás, existem outras grandes empresas de petróleo com controle estatal: Petrochina, PDVSA, CNPC, Gazprom, Statoil, Aramco, Rosneft, Qatar ...

Bem, obviamente, uma empresa cujo principal acionista é  o Estado, certamente está sujeita a influências políticas. E estas intenções e influências podem não ser alinhadas com o mercado.

Um parênteses aqui: não defendo absolutamente qualquer irregularidade com relação ao uso do poder, qualquer ele que seja. Mas entendo que o acionista majoritário irá sempre puxar a brasa para sua sardinha.

Esta possível influência política é que faz o valor das ações das estatais flutuarem tanto.

Entramos aqui na discussão entre petróleo privado x estatal. Esta discussão não é nova. Já em 1936 Monteiro Lobato publicou um livro defendendo a estatização do petróleo. Isto ganhou força na era Getúlio e enfraqueceu na era FHC.

Em 1997 o Brasil se abriu para o mercado privado do petróleo. Desde esta data qualquer empresa que queira pode vir para o Brasil e construir refinaria, dutos, comprar campos de petróleo, etc.

Novamente: não defendo quem fez errado. Fez errado? Tem que pagar. Mas desde que a Petrobras foi criada sempre foi ferramenta política. Seja para roubar dinheiro, seja para negociar aliados (internos ou externos), seja para se perpetuar no poder, etc. Não vou me estender aqui, pois é polêmico e não existe nenhum mais certo dentre os usos errados já feitos há 60 anos da empresa.

Quando a administração do Pedro Parente assumiu a Petrobrás, ele deixou claro que administraria de acordo com o mercado de ações. Deixou claro que seu compromisso era com os outros acionistas (e não com o governo). Pensando única e exclusivamente do ponto de vista de um investidor, isso é perfeito.
O investidor é alguém que coloca o dinheiro numa empresa e espera retorno.

Então foi isso que começou a acontecer, aparentemente. Ele começou a vender e comprar petróleo e derivados de acordo com o mercado internacional. E desde o início de 2018, o objetivo é flutuação diária do preço na refinaria. Isso pelo fato de que o preço das commodities como o petróleo flutuam diariamente. Então, se hoje subiu, sobe da refinaria, se desceu, desce na refinaria. Se não flutua, mantém o preço na refinaria.

Isso parece muito bom, e é para o acionista.

Mas agora entra um detalhe da Cultura brasileira. Muitas vezes o preço reduz na refinaria, mas a redução não é passada ao consumidor final, ou seja na bomba do posto. Por quê? Porque os intermediários não repassam: distribuidoras e donos de postos.

Então o consumidor não percebe esta flutuação. Mas sente quando sobe.

Um outro fator a ser levado em conta aqui é  a questão de toda logística do Brasil ser baseada em rodovias. Hidrovias e ferrovias são ínfimas aqui. Assim, nosso escoamento e distribuição de bens se dá por caminhões. Por isso sentimos tanto a greve dos caminhoneiros.

Voltemos a Petrobras. Essa política de preços da empresa (decisão estratégica de flutuação diária) talvez seja boa para o acionista, mas impacta demais nossa sociedade.

Agora os fatos curiosos, a Petrobrás está operando apenas em 70% de sua capacidade. Estamos com unidades de refinarias paradas (gerando prejuízo pois estes tipos de equipamentos se deterioram mais rápido parados do que funcionando) e importando gasolina e diesel (!!??).

Este foi o motivo da greve dos petroleiros dia 30/05. Pela operação total das refinarias. É possível produzir mais por menos. Mas a administração está focada em outros acionistas. Comercializar lá fora.

Fazer mais com menos incomoda os maiores players internacionais.

Então, quando o Temer obrigou a Petrobrás assumir o custo do diesel por 30 dias (assim como a Dilma fez) e que o governo resolveu "assumir" (vai tirar da gente de algum lugar) os outros 30 dias, somada a greve dos petroleiros, dia 01/06 o Pedro parente pediu para sair e as ações da empresa despencaram. Normal a reação do mercado.

Agora uma opinião bem particular. A Petrobrás é a maior empresa do Brasil, portanto, qualquer coisa que ela faça tem um forte impacto social. O seu maior acionista é o governo. Então sim, o governo deve utilizar a empresa como ferramenta para desenvolvimento social no Brasil. Com responsabilidade e técnica, isso é viável e foi fomentado pela Petrobrás em locais e projetos sob a consultoria do professor Aziz Ab-Saber.

Mais uma coisa: recursos estratégicos como petróleo, alguns minerais, energia (ops, petróleo é energia também) e água devem ficar na mão do governo. A Inglaterra privatizou tudo na década de 80, com a Margareth Thatcher,  e agora se arrepende. O parlamento inglês está começando a estudar como reverter o processo. Mas não tem dinheiro. Ué?! Pra onde foi o dinheiro das vendas? Bem, isso é problema para inglês ver. Mas nós podemos aprender com eles.

Este é outro item da pauta dos petroleiros: contra a venda de ativos da Petrobrás.

Vocês sabem que existe o projeto poetas? A alta administração da Petrobrás decidiu montar dois blocos para vender. O bloco do Sul se chama Mário Quintana e engloba: 2 refinarias (1 no PR e  outra RS), 7 terminais (1 no PR, 4 em SC e 2 no RS), além de vários dutos.

Imaginemos que a Shell compre o bloco. Ela fará o que é melhor para ela. E terá o monopólio do petróleo e derivados no Sul do Brasil. Será que os preços iriam cair? Duvido muito. E tem mais. Uma empresa privada, se for melhor vender pra fora, vai vender. Não irá se preocupar com o mercado interno brasileiro.

Então, enquanto a política de preços da Petrobrás for a de se basear no mercado internacional e flutuação diária, importando ao invés de produzir, com 46% de imposto, e intermediários defendendo apenas o seu imediato... não há perspetiva do preço reduzir ou ao menos parar de subir.

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