Por Domingos Miranda
A característica mais marcante do Brasil é a desigualdade social. Isto fica mais evidente no setor habitacional onde mansões e conjuntos residenciais da elite são construídos na vizinhança das favelas que não possuem as mínimas condições de habitabilidade. O recente incêndio no edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandu, em São Paulo, onde moravam 92 famílias de sem-teto (248 pessoas), é apenas a ponta do iceberg da falta de habitação no país. As autoridades ficam apenas nos discursos, mas na prática nada de efetivo é feito. O ex-prefeito João Doria chegou a culpar os sem-teto pela tragédia. Logo ele, invasor de terreno público em Campos do Jordão, dizendo um absurdo desses.
Favela de Heliópolis, São Paulo, ao
lado de condomínio de luxo. Foto de Tuca Vieira.
A crise habitacional é um problema antigo. No livro “Eu não tenho onde morar”, escrito por mim e a jornalista Olívia Rangel, em 1983, escrevemos: “A luta dos setores populares por uma moradia decente já vem de há muitos anos, sendo que os governantes de nosso país nunca tomaram medidas sérias para resolvê-la. Em 1899, o jornal operário ‘El Grito del Pueblo’, editado em São Paulo, afirmava que ‘o povo precisa rebelar-se contra a ganância dos proprietários de imóveis. Os aluguéis foram elevados a preços extorsivos’. E mais adiante acrescentava: ‘Foram cometidos os maiores atos de selvageria contra muitos desgraçados que não podiam pagar os aluguéis. (...) Há infelizes chefes de família que, depois de sofrerem estas violências, tiveram que dormir sob a intempérie com sua esposa e filhos’. Quase cem anos após estes relatos do jornal paulista, o problema continua, ainda mais grave, pois envolve um número muito maior de famílias que vão para a rua sem ter um lugar par morar.”
Joinville, uma cidade de porte médio e uma das mais ricas do país, não escapa das mazelas encontradas nas grandes metrópoles. Em 2010, o vereador Alodir Cristo realizou o seminário Fórum Urbano, com a presença de 14 especialistas do país. Um deles, Francisco Comaru, professor da Universidade Federal do ABC, alertava que na cidade, segundo dados do IBGE, havia um déficit habitacional de 8 mil famílias. E frisava: “Mesmo em um município de região próspera, rica e industrial como a de Joinville os problemas urbanos e habitacionais aparecem com números bastante impressionantes”.
Mas o que mais marcou o professor Comaru foi o “latifúndio urbano”. Em seu artigo para a revista “Fórum Urbano”, ele escreveu: “Todavia, possivelmente o dado mais impressionante é que segundo fontes do poder público local somente uma família é proprietária de pelo menos 30% dos imóveis de Joinville. Como o solo urbano provido de infraestrutura e próximo aos locais de trabalho é um bem finito, nota-se que a má distribuição da propriedade urbana constitui-se num grande obstáculo para a viabilização da função social da cidade e do direito a moradia para todos. É nas grandes cidades brasileiras que a miséria, a pobreza e a privação convivem lado a lado com a extrema riqueza, a concentração de recursos e, muitas vezes, a ineficiência e o desperdício.”
O problema é antigo mas é possível de ser resolvido. No entanto, os interesses econômicos acabam falando mais alto e a solução é postergada. E aí surgem tragédias como o incêndio do edifício do Largo Paissandu. A mídia volta a dar destaque no assunto até que caia novamente no esquecimento. É o jeitinho brasileiro de levar com a barriga o problema enquanto a crise aumenta de volume.
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